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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Feliz Dia do 3108 (Blog)

No dia 31 de agosto é comemorado o dia do blog. A data foi escolhida pois na sua forma numeral (31/08) ela faz alusão a palavra blog.
Eu desejo que todos os blogueiros tenham bastante visualizações, criatividade para fazer novos posts, etc.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Qualidade de quem ama

A chuva castigava o asfalto com pingos grossos e pesados. Senti meus pés empaparem assim que pisei na calçada e, em poucos segundos, a umidade subia pela minha canela. Um frio penetrante tomou conta do meu corpo, mas minha alma estava aquecida como uma chama. Ao chegar à mansão, senti-me reconfortado ao entrar na sala onde a lareira crepitava. Meu pai estava sentado à frente, com um livro nas mãos. Pelo sorriso cálido em seu rosto, imaginei que estivesse relendo algo de Alexandre Dumas. Mal percebeu quando subi as escadas em direção ao quarto.

Nossa casa era imensa. Meu pai a havia construído quando se casou com minha mãe, numa época em que imaginavam ter, pelo menos, quatro filhos. Infelizmente, ela faleceu no parto do seu primogênito, eu. E meu pai nunca voltou a se casar. Não que lhe faltassem pretendentes, mas sempre que perguntavam por que ele não encontrava uma boa esposa, tinham a mesma resposta.
– Um amante é, por definição, o que carrega a qualidade de quem ama. E eu já amo uma mulher. – dizia em tom jocoso, fazendo o assunto dissipar-se.
Do alto dos meus desajuizados vinte e dois anos, tínhamos nos afastado muito. Meu pai tornava-se cada vez mais calado e eu abafava em mim um silêncio cheio de gritos, que mais de uma vez na semana me causava pesadelos. Creio que quando meu pai me via era como se olhasse para trás, para uma vida que quase viveu. Nos últimos anos sentia em seus olhos uma tristeza constante que lhe acrescentavam anos que ainda não tinham passado.
Recusava-se a mudar para um apartamento menor, mais perto do centro da cidade e do escritório da sua fábrica de brinquedos, que herdara de meu avô. Disse uma vez a um amigo que não sairia da casa, pois estando nela seria como estar com minha mãe. Ouvi isso atrás da porta e não pude deixar de culpar-me, mais uma vez, pelo infortúnio que causei à vida daqueles dois jovens.
Entre culpas, medos e apreensões típicas da idade, dividia meu tempo entre um trabalho menor na fabrica e a escrita, minha maior companheira. Foi através de meus contos de intriga e mistério que me aproximei de Lucia. Durante a adolescência, passávamos tardes inteiras trancados em um cômodo, discutindo temas, títulos e textos, compartilhando sonhos e talentos que não tínhamos coragem de mostrar à ninguém.
Lucia era filha dos zeladores da propriedade. Meu pai desde sempre fez questão de pagar seus estudos e, por isso, fomos à escola juntos. Ela era dois anos mais nova, mas tinha uma personalidade sagaz e muito segura. Quando entrava, invariavelmente iluminava o ambiente e, de forma muito natural, todos olhavam para ela. Eu brincava chamando-a de Regina, que significa sol, já que todos orbitavam em volta dela onde quer que estivesse. Ela me chamava de Plutão, por ser o planeta mais frio e distante do sol. Crescemos juntos, como irmãos, mas há algum tempo as coisas tinham mudado.
Um mês antes daquela tarde de chuva, Lucia havia me contado que tinha conhecido um rapaz mais velho, que trabalhava no cais ou em algum navio, não sei ao certo. Eu o chamava de aventureiro, mas para ela, ele era a personificação do homem certo para casar. Não que Lucia alguma vez tivesse desejado casar-se. Estava na faculdade e pretendia seguir uma carreira, o que para a época era algo bastante ousado. Mas desde que este rapaz aparecera ela era toda sonhos e romances. Eu, nem preciso dizer, odiava-o com toda a força da minha alma jovem. E creio que a recíproca era verdadeira.
Certo dia, caminhando pela cidade, vi-o em um café. Estava sentado nas banquetas altas, com uma moça de índole duvidosa ao lado. Mantinha um braço em volta da cintura dela e, virava e mexia, tocava-lhe os seios com beijinhos ou beliscões. Sem pensar em nada e sentido-me na obrigação de desmascará-lo entrei no café e encarei-o. Quando se virou, ele apenas sorriu e disse:
– Ora, ora… Já é chegada a hora de dar-lhe uma lição, frangote.
Nem pude vê-lo saltar da banqueta e não tive tempo de me defender quando senti o primeiro soco. Caí no chão com uma dor lancinante no nariz. Rastejei buscando a porta, com o sangue empapando-me a roupa e foi então que senti o primeiro chute. Ele ria e dizia que eu ia ficar de boca fechada, que minha vida de merda não valia aquele segredo de homens. Acrescentava que eu não era homem para poder entendê-lo e que por isso merecia apanhar. E apanhei muito. Quando ele, enfim, deu-se por satisfeito, alguns de seus amigos brutamontes colocaram-me na calçada. Um taxista me viu e, atravessando a rua, se ofereceu para levar para casa. Quase desmaiando, consegui dar-lhe o endereço de Rubia, minha ex ama de leite, que havia cuidado de mim até quase a idade adulta, mas que mudara-se da mansão por motivos que eu não entendia bem. Hoje, já velho, percebo que era apaixonada por meu pai e que não suportava mais depois de tantos anos de devoção e amor mudo.
Ela abriu a porta calmamente e quando me viu quase soltou um grito. O taxista ajudou-a a me repousar no sofá e foi embora. Rubia cuidou de mim, como sempre o fizera. Acordei horas depois, com uma dor pungente na região da costela, um braço engessado e um grande olho roxo. Ela me esperava na cozinha, e meu estômago roncou assim que senti o cheiro de seus deliciosos biscoitos. Quando entrei, ela sorriu.
– So assim para receber uma visita sua. – disse sem mágoa ou julgamento.
– Me desculpe. Não sabia a quem recorrer.
– Liguei para seu pai e disse que você passaria a noite aqui. Contei que sofreu um pequeno acidente e ele me pareceu convencido.
– Obrigado. – disse um pouco envergonhado.
– Quer me contar o que houve?
Sem rodeios, sem vergonha, mas também sem qualquer orgulho, contei-lhe o que havia acontecido.
– Você já é um homem, querido. Homens de verdade não se metem em discussões e brigas idiotas. Eles lutam pelo que querem. E está mais na cara que barba o que você realmente quer. Admita e faça algo a respeito, ou vai se arrepender pelo resto dos dias miseráveis de vida que terá. – disse-me com uma ternura que me parecia estar falando por experiência própria.
No dia seguinte, quando cheguei em casa, Lucia veio ao meu quarto. Tinha o semblante misturado entre tristeza e revolta.
– Você se safou por pouco.
– Eu não considero que me safei.
– Ele podia ter te matado!
– Mas não matou. Não faça drama.
– Seu pai acreditou nessa história de acidente?
– Sabe como ele é. Faz que não vê, finge que não se importa.
– Se pensa que eu vou te agradecer, está muito enganado. Você deveria ter me contado e não entrado naquele bar idiota.
– Não preciso que você me agradeça. Só preciso que você enxergue.
– Você pensa que eu sou estúpida? Pensa que eu já não desconfiava? Estava apenas me divertindo com aquele… – sua voz ficou fraca, havia perdido as palavras. Uma pequena lágrima iluminou-lho a bochecha e depois de um longo silêncio, terminou.
– Sou muito idiota mesmo.
Sem pensar muito e sem saber o que dizer para confortá-la, tomei-me de uma coragem que nunca imaginei ter e fiz o que deveria ter feito meses antes.
– Daqui uns quinze dias, quando tirar esse gesso, quero levá-la a um lugar. Um lugar que você ainda não conhece. Precisamos conversar onde as paredes não nos ouçam.
Com um sorriso curioso e os braços encolhidos ao longo do corpo, ela acenou que sim com a cabeça e saiu dizendo:
– Descanse. Em duas semanas estarei pronta para seu lugar misterioso.
Nos dias que se passaram, nos vimos muito pouco, apenas nos cruzando ocasionalmente pelos corredores ou na cozinha. Ela sempre me provocava e eu, inutilmente, tentava manter uma ar sério e taciturno, que fazia com que ela se afastasse rindo.
Quando finalmente tirei o gesso, avisei-a que no dia seguinte iríamos sair.
Usava marfim e enchia meu mundo com promessas em seus lábios. Em um vestido leve, um pouco rodado abaixo da cintura, as curvas de seu corpo denunciavam sua silhueta incrivelmente feminina. A boca levemente avermelhada, denunciava que pela primeira vez em toda a nossa vida, ela usava batom para me encontrar. Andamos pela cidade, calados e de mãos dadas, como dois amantes que tem algo a resolver. Quando chegamos à praia, ela me pareceu surpresa ao ver que pegaríamos um barco para contornar a baía. Contei-lhe, então, aonde estávamos indo. Apontei o farol, dizendo:
Qualidade de quem ama
– Seu pai me levou lá uma vez e, depois que ficou velho demais para atravessar a baía remando, me deu as chaves. Sempre venho aqui quando quero ficar sozinho.
Subimos as escadas até chegar ao velho farol, que há anos estava fora de funcionamento. Abri a porta e um golpe de ar frio congelou-me a alma. Apressadamente e muito nervoso, acendi a velha lareira. Ela estava encostada à uma pequena janela e o entardecer coloria-lhe o rosto de alaranjado. Percebi que, nem se vivesse um milhão de anos, seria capaz de esquecer aquele momento.
Aproximei-me e abracei-lhe. Depois de um longo segundo, disse-lhe ao ouvido, ainda abraçado a ela:
– Em três dias eu vou embora. Vou estudar desenho na Alemanha para poder assumir a fábrica daqui alguns anos.
Ela me abraçou mais forte.
– Eu ouvi seu pai dizer à minha mãe. Imaginava quando você iria me contar.
– Lucia, eu amo você. Me desculpe se percebi isso tarde demais.
– Nunca é tarde.
Afastei meu rosto de seu pescoço e, segurando-lhe o rosto, beijei-a longamente. Seu corpo grudado ao meu, como se buscássemos aproveitar todo uma vida em apenas alguns segundos. Deitamos nos cobertores em frente a lareira e sorri quando ela desfez o laço do vestido, convidando-me a percorrer caminhos que eu ainda não conhecia.
– Você já fez isso, Gabriel? Já despiu uma mulher antes?
Sorrindo-lhe, respondi:
– Despir qualquer outra mulher não pode ser comparado a despir você.
Tirei-lhe o vestido, percorrendo com meus dedos trêmulos a linha de sua espinha. Senti quando seu corpo estremeceu ao meu toque. Senti suas unhas delicadas cravadas em meus braços. Senti nossas línguas tocando-se. Ouvi nossos sussurros e gemidos como se fossem promessas de um amor eterno. Beijei-lhe o pescoço, abrindo espaço pelo peito, acariciando-lhe os seios. Beijei-lhe o umbigo, entreabrindo as coxas. Beijei-lhe os joelhos, massageando as panturrilhas. Quando olhei em seus olhos, pedi em meu íntimo que aqueles minutos não tivessem fim.
Ela me conduziu por entre suas pernas, mostrando-me o ritmo e a intensidade que desejava. Tremia e arfava a cada investida minha. Quando estávamos perfeitamente entrosados, no momento em que nos tornávamos um só, seu corpo contorceu-se sob o meu, suas mãos apertaram com força os cobertores que nos serviam de cama e, quando abriu os olhos, trazia um doce sorriso nos lábios. Segundos depois dela, um calor intenso percorreu meu corpo, causando uma forte tensão em todos os meus músculos, levando-me ao céu por um segundo infinito. Deitei ao lado dela, exausto, e quando nos entreolhamos começamos a rir desesperadamente. Ela se aninhou em meus braços, beijei-lhe o topo de cabeça e adormecemos.
Já era noite quando chegamos ao cais e começamos a percorrer a cidade, novamente mudos e de mãos dadas. O ar pesado e o vento forte denunciava a chuva que estava por vir. Combinamos que ela chegaria primeiro em casa e por isso, coloquei-a em um táxi. Decidi que faria meu caminho a pé, já que a ansiedade não me deixaria dormir tão cedo.
A chuva castigava o asfalto com pingos grossos e pesados. Senti meus pés empaparem assim que pisei na calçada e, em poucos segundos, a umidade subia pela minha canela. Um frio penetrante tomou conta do meu corpo, mas minha alma estava aquecida como uma chama.
*Este texto faz parte do projeto Repente Literário e é uma produção baseada na palavra ‘amante’, sugerida por mim a Marina Rodrigues do blog Girafa de Papel.
**Este texto faz parte do projeto BEDA – Blog Every Day August – do grupo Rotaroots!